Normalistas sobem a Rui Barbosa, em frente ao Cine Patrocinio, em abril de 1962 .
Reprodução AI do filme da Libertas Filmes

O Som da Memória | Luiz Antônio Costa 

Em 1962, eu tinha apenas 8 anos, mas algumas lembranças ficaram gravadas como se fossem de ontem. Recordo-me de assistir, curioso, aos comícios das campanhas municipais. Na Rua Professor João de Melo, quase esquina com a Presidente Vargas, uma rua acima da ferrovia, era o ponto central do meu bairro para a movimentação política: ali estacionavam os caminhões-palanque.

Eu via aquelas pessoas apaixonadas, em seus discursos inflamados. Não entendia bem os temas tratados, mas me encantava com a movimentação, a multidão vibrando, os fogos que estouravam no céu e até as brincadeiras que os adultos faziam com os motes das campanhas — uma espécie de “memes” da época.

Mais tarde, já adulto, li na coluna “Primeira Coluna”, assinada por Eustáquio Amaral aqui na Rede Hoje, detalhes daquelas eleições do início dos anos 1960. Em 1962, o PSD — que não é o atual PSD — venceu a disputa municipal. Foram eleitos Mário Alves do Nascimento para prefeito e Dr. Amir Amaral como vice. Os derrotados foram o fazendeiro Alaor Ribeiro de Paiva, candidato a prefeito, e o empresário Paulo Constantino, candidato a vice. Entre 1963 e 1966, Mário Alves governou Patrocínio. Eustáquio lembra que, nesse período, UDN e PSD demonstravam respeito mútuo, honestidade e amor pela cidade. Não havia troca de partidos nem sombra de corrupção.

Av. Rui Barbosa com Rua Elmiro Alves: a Loja Singer e a Charrete do senhor Geraldo (primeiro plano). Reprodução AI do filme da Libertas Filmes

Naqueles últimos dias de abril de 1962, uma comitiva da assessoria de imprensa do governo de Minas permaneceu em Patrocínio por uma semana. Vieram filmar a cidade de vários ângulos, registrando o que hoje é documento histórico. Esse material, produzido pela Libertas Filmes, agência que atendia ao governo mineiro, foi resgatado e disponibilizado pela Rede Hoje no canal do YouTube, graças a Edson Bragança, da Bragança Filmes. O documentário mostra a vida em Patrocínio: sua gente, indústrias, sociedade, trabalhadores, produtores rurais, o comércio em crescimento, inaugurações e a presença de autoridades estaduais durante dois dias de visita.

Rebuscando minha memória de infância, volto ao tempo em que estudava nas Escolas Associadas, na Avenida Rui Barbosa, que depois se transformariam no Grupo Escolar João Beraldo, em uma nova sede na Rua Cesário Alvim com Avenida Jacinto Barbosa. Eram dias simples, mas muito vivos em minha lembrança.

Ainda nos anos 1960, vivi uma cena curiosa em casa. De madrugada, alguém colou um cartaz político na porta da nossa residência. Pela manhã, meu pai, em vez de simplesmente arrancá-lo, fez algo inusitado: trocou as dobradiças e fechaduras de lugar, virando a porta de cabeça para baixo, como forma de desagravo. Embaixo da porta, haviam deixado pequenos broches em formato de vassourinha. Meu pai os chutou para fora, mas eu e minha irmã catamos e guardamos. Eram dourados, bonitos, delicados. Só depois entendi: o cartaz era de Jânio Quadros, e aquelas vassourinhas eram o símbolo de sua campanha presidencial de 1960.

Jânio prometia “varrer a corrupção” e fez da vassoura seu slogan e seu emblema. A estratégia se mostrou poderosa, conquistando parte do eleitorado que desejava uma renovação política. Mas meu pai era admirador de Juscelino Kubitschek, o JK, e não via simpatia alguma no sucessor que tentava apagar o brilho do presidente que marcou época.

Igreja Santa Luiza e os antigos jardins da Praça Santa Luiza, no final de abril de 1962. Reprodução AI do filme da Libertas Filmes

Volto, então, ao cenário local de 1962. O filme da Libertas mostra a cidade de forma vívida: as ruas, as praças, a fé, o comércio, a simplicidade de uma comunidade em progresso. Hoje, a Inteligência Artificial nos permite colorir aquelas imagens, revelar nuances da paisagem urbana de então. Singela, simples, mas bela. Uma memória que não só nos orgulha, como continua a nos emocionar.


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